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- sabrinaduran
- 21 de jun. de 2016
- 13 min de leitura

Por Sabrina Duran*
Essa entrevista foi realizada pela repórter Karina Menezes, que à época era trainee do jornal O Estado de S. Paulo, em setembro de 2015. A entrevista não tinha garantias de ser publicada – como de fato não foi. As perguntas feitas por Karina me ajudaram a refletir sobre temas que estava elaborando naquela época, como a importância do discurso na implementação de projetos potencialmente gentrificadores e a linha de continuidade em algumas políticas públicas entre as gestões Kassab e Haddad. Como a entrevista foi feita por email, tive a chance de me deter um pouco mais em questões que requerem tempo de elaboração – não se trata de uma reflexão terminada, evidentemente. Críticas, sugestões e outras contribuições para a reflexão são mais que bem-vindas.
1. Desde quando tu começaste o Arquitetura da Gentrificação, São Paulo passou pelas administrações do Serra, Kassab e Haddad. Quais as principais diferenças que observaste entre essas gestões, especialmente no modo como elas enxergam a cidade e modificam seus espaços públicos?
O Arquitetura da Gentrificação (AG) começou entre fins de 2012 e início de 2013, portanto no último ano da administração do ex-prefeito Gilberto Kassab e início da administração Fernando Haddad, respectivamente. Sobre comparações entre aquela gestão e a atual, por questões de precisão, eu não falo de maneira geral, mas sim com foco nas pautas específicas que apurei ao longo de dois anos. Para ser objetiva na explicação, cito como exemplo o projeto Nova Luz, cuja tentativa de implementação se deu na gestão Kassab, e o projeto do Itaú para o Vale do Anhangabaú, encampado pela atual gestão. O projeto Nova Luz não pôde avançar por conta da reação dos moradores e comerciantes locais que contestaram e comprovaram a total falta de participação pública no projeto. A questão foi judicializada e o projeto suspenso e engavetado. Foi um precedente importante para a sociedade civil entender que a participação pública é fundamental e amparada por lei (Estatuto da Cidade) em projetos de desenvolvimento urbano. Também foi um precedente importante para a atual gestão, que entendeu que projetos como esse "tendem" a não passar com facilidade pelo crivo da sociedade civil se esta não tiver participação efetiva desde a formulação do projeto, sua execução e acompanhamento, como prevê o Estatuto da Cidade. Quando, em 2013, surge o projeto do banco Itaú para o Vale do Anhangabaú feito pelo escritório dinamarquês Gehl Architects, a prefeitura divulga, por meio de seus canais oficiais, que o projeto é fruto de um processo de discussão pública aberta, democrática, com ampla participação da sociedade civil. A prefeitura, inclusive, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), cria um site chamado Gestão Urbana para dar transparência e abertura ao diálogo em processos de reestruturação urbana que estão acontecendo na cidade. O sub-item "Centro Aberto" do referido site traria informações sobre as transformações planejadas para o centro da cidade. O que a investigação do AG deixou claro, no entanto, foi que esta abertura ao diálogo e transparência, ao menos no projeto do Itaú para o Vale do Anhangabaú, foram meramente cênicas. A sociedade civil chamada a participar não decidiu nada, apenas homologou as decisões já tomadas de antemão. A reportagem apurou que o tal projeto supostamente feito de maneira participativa em 2013 já existia desde 2007, feito pelo mesmo escritório para o Vale do Anhangabaú durante a gestão Kassab, porém a pedido de uma ONG chamada ITDP, e não a pedido do banco Itaú. O que foi "decidido" coletivamente em 2013 já estava previsto desde 2007. Além disso, a discussão pública feita em 2013 foi direcionada: a prefeitura convidou por email algumas dezenas de pessoas, ONGs, empresas e instituições para participarem das conversas. Dos 75 convidados, apenas duas entidades tinham relação com populações vulneráveis. As populações vulneráveis foram excluídas do debate e também das análises de campo feitas no Vale do Anhangabaú. Todas essas e outras informações estão comprovadas por documentos produzidos pela própria prefeitura e conseguidos pela reportagem por meio de dezenas de pedidos e recursos via Lei de Acesso à Informação (LAI) feitos pelo AG em parceria com a ONG Artigo 19 (todos os documentos estão disponíveis na íntegra para donwload, para qualquer pessoa, no site www.reporterbrasil.org.br/privatizacaodarua). Recorrer à LAI foi extremamente necessário para a investigação, uma vez que a prefeitura, em determinado ponto da apuração, começou a negar à reportagem, reiteradamente, informações públicas. Dito tudo isso, e retomando a comparação entre as gestões Kassab e Haddad em relação a esses dois projetos específicos que citei, não falaria em diferença entre as duas gestões, mas em "avanço" da atual administração no que diz respeito às precauções que a prefeitura tomou no projeto do Itaú para o Vale do Anhangabaú ao criar um "processo participativo" minimamente verossímil (mas não efetivo), capaz de evitar judicializações com base na falta de participação pública. Independentemente da maneira como é negada a participação pública na gestão democrática da cidade, o grave fato dessa negativa dá indícios de como a administração - a atual ou a sua imediata anterior - enxergam a cidade e modificam seus espaços públicos.
2. Na tua pesquisa, tu falas que o processo de "revitalização" do centro tornou-se pauta pública na gestão do Setúbal. Isso inclui o Vale do Anhangabaú também? Desde quando e como tu percebes que o processo de gentrificação tem ocorrido por lá?
Até onde pude pesquisar, o interesse pela transformação do Vale do Anhangabaú surgiu depois da administração do Olavo Setúbal, mas como consequência das intervenções realizadas por ele em outras regiões do centro anteriormente. Falar da gentrificação no centro de São Paulo como um processo consolidado e homogêneo é problemático – é mais preciso falar em tentativas de gentrificação. Existe uma resistência popular muito grande na região central, seja de movimentos de moradia, da população em situação de rua, de ambulantes, de trabalhadores do serviço social e outros grupos, especialmente os que lidam com populações em situação de vulnerabilidade. Isso impede que projetos potencialmente gentrificadores sejam implementados de maneira efetiva, pois a resistência da sociedade civil acaba sendo um "entrave". Este foi o caso do projeto Nova Luz, por exemplo, e de alguma forma está sendo também o caso do projeto do Itaú para o Vale do Anhangabaú. Diversas organizações estão se mobilizando no sentido de questionar a legitimidade do projeto, que não teve participação pública efetiva e nem responde às demandas mais prementes da população local e daquela região como um todo. O Arquitetura da Gentrificação, como projeto jornalístico, existe desde fins de 2012, então foi a partir dessa época que eu comecei a me dedicar com mais afinco à pesquisa dessas transformações e à documentação desses processos - o que não significa que as transformações não estejam acontecendo desde muito tempo antes. Portanto, é a partir desse momento que começo a notar modificações estruturais, de políticas públicas e mesmo de discursos do poder público sobre a necessidade de se transformar o centro de São Paulo. Esse discurso tem me despertado um interesse particular, porque é evidente que a disputa pelo espaço quase sempre vem acompanhada por uma disputa pelo discurso que justifica e legitima a disputa pelo espaço. Como disse na resposta anterior, a administração Haddad conseguiu um "avanço" em relação à administração Kassab. No âmbito do discurso, esse avanço pode ser percebido na utilização sistemática da palavra "ressignificação" em substituição às palavras revitalização e requalificação utilizadas pela administração anterior e que denotam, de maneira clara, um viés higienista. Ressignificação não é uma palavra menos problemática no sentido em que é aplicada ao centro da cidade pelo poder público hoje. Ressignificar o centro significa dar a ele um outro significado, melhor, mais qualificado, mais apropriado do que o significado que ele tem hoje. Ou seja: substituir revitalização ou requalificação por ressignificação é, no limite, trocar seis por meia dúzia. Porém, a palavra ressignificação parece menos higienista, menos agressiva em seu sentido - apenas parece - por pura oposição às palavras "revitalizar" e "requalificar". Se, do ponto de vista do discurso (e mesmo da formulação de políticas públicas), partimos de uma referência truculenta, como foi a administração de Kassab em vários aspectos, qualquer discurso (ou atuação) "menos truculento" parecerá, por contraste, democrático e até dialógico. De novo, comparando o projeto Nova Luz com o projeto do Itaú para o Vale do Anhangabaú, agora do ponto de vista do discurso, há um "avanço" dessa administração na forma, mas não necessariamente no conteúdo.
3. Tu falas que o projeto do Novo Anhangabaú é nada mais do que um processo de higienização social, e nós sabemos que não há uma preocupação real com os moradores de rua e os trabalhadores que realmente vivem o espaço, com todos os seus problemas. Do que o Anhangabaú precisa para tornar-se, de fato, mais humano?
Dividiria essa resposta em duas partes. Primeiro, não diria que o Vale do Anhangabaú é menos humano hoje do que ontem ou do que em um futuro hipotético repleto de novas soluções urbanísticas. O Vale do Anhangabaú é absolutamente humano no sentido em que abriga uma variedade imensa de pessoas com as mais diversas histórias, desejos, interesses e necessidades, pessoas que moram e trabalham ali, que existem ali. Faço esse aparte porque grande parte do discurso de "cidades mais humanas" e "cidades para pessoas" disseminado pelo poder público e por alguns grupos ativistas parte de uma concepção utilitarista, monetária e mesmo moralista do que é o humano do tipo adequado, do tipo certo, o humano do tipo "de bem" - portanto o humano que é humano de fato e que precisa (re)ocupar os espaços ocupados pelos humanos do tipo "errado". O que leva o poder público, por exemplo, a estimular as pessoas a reocuparem espaços que, a rigor, já estão ocupados (em geral por populações vulneráveis e de baixa renda) com o discurso de "humanizar" a cidade? Essa reflexão precisa ser feita dentro do contexto da cidade-empresa neoliberal da qual fala o sociólogo Carlos Vainer, um contexto no qual as cidades competem entre si para oferecer boa localização ao capital transnacional; cidades onde a integração na sociedade pela cidadania é substituída pela integração via consumo. Sou considerada cidadã se posso ser produtiva economicamente e também uma consumidora solvente. Sendo assim, o humano adequado, o humano certo da cidade-empresa é o humano que pode pagar pelo uso da cidade-empresa - algo que não está dado, evidentemente, à população em situação de rua, por exemplo. Dito isso, e como segunda parte dessa resposta, eu proporia uma reflexão: do que o poder público e a sociedade civil precisam, de forma coletiva e sustentada, para tratar as populações vulneráveis como humanas de fato, seja no Vale do Anhangabaú, seja em qualquer parte da cidade?
4. Quanto às atividades sociais, culturais e artísticas desenvolvidas por coletivos independentes, não só no Vale do Anhangabaú, mas em outros espaços da cidade: qual o verdadeiro papel delas em São Paulo? Tu acreditas que essas atividades podem ser parte de uma solução para minimizar a exclusão social? Ou tu achas que muitos desses grupos acabam contribuindo para a higienização social, mesmo que de forma inconsciente?
Novamente, prefiro não falar em termos gerais sobre atividades de grupo A, B ou C. Tenho algumas percepções e opiniões sobre as atividades de alguns grupos e movimentos que acompanho mais de perto, mas no contexto dessa entrevista prefiro colocar uma reflexão que venho fazendo há algum tempo e que acredito ser mais interessante como resposta. Parto da ideia de que, em contextos de opressão e exclusão social, é preciso uma auto-crítica muito sincera e transparente dos grupos e coletivos envolvidos em atividades sociais, culturais e artísticas para entender em que medida contribuem positivamente para a luta por cidades mais justas ou apenas aprofundam - mesmo sem intenção - as contradições e desigualdades. Me explico: eu, como pessoa branca, de classe média, com curso universitário, sou uma privilegiada em vários aspectos. Se sou privilegiada, é natural que eu "contrabandeie" aspectos desses meus privilégios aos campos de militância em que atuo – seja a cor da minha pele, meus conhecimentos adquiridos na universidade, meu vocabulário, meus gostos, etc. Preciso, então, me perguntar em que medida esses meus privilégios estão a serviço do fortalecimento da luta por cidades mais justas, e em que medida, em determinados espaços de militância, esses privilégios acabam, mesmo sem que eu queira, subtraindo a voz dos grupos oprimidos, pacificando sua luta e até desfigurando-a com minha simples presença? E não estou falando em assumir o lugar de fala das populações vulneráveis, dos grupos oprimidos, que isso seria indigno já de saída. Estou falando de, mesmo à revelia da minha vontade pessoal, ser, por exemplo, uma pessoa racista na medida em que faço parte de um sistema racista, estrutural e estruturante, para o qual, ao longo de séculos, foi construída uma ficção política em torno da cor branca e que me coloca, enquanto pessoa branca, como uma pessoa supostamente superior, em diversos aspectos, em relação a outras pessoas de outras raças. Veja: não é um questionamento fácil de se fazer, não é uma auto-crítica simples. Primeiro porque questionar os próprios privilégios e entender como eles interferem positiva ou negativamente em determinadas lutas requer, no limite, o desprendimento desses privilégios e a aniquilação deles, tendo em vista a desconstrução da própria ideia de privilégio. Segundo, porque problemas graves que vemos assolar as pessoas e as cidades, como o problema do déficit habitacional, da ausência de solução habitacional, econômica e social permanentes e sustentadas a populações vulneráveis, são problemas estruturais, históricos e crônicos, portanto não solucionáveis por medidas e ações pontuais e superficiais. As soluções rápidas e simples, que prometem criar “cidades mais humanas”, “cidades para pessoas”, seja pelo poder público, seja pelos ativismos que fazem eco a esse discurso, são soluções típicas da cidade-empresa neoliberal, que borram todas as contradições e dissensos do urbano para oferecer, com a ajuda de um slogan palatável, uma solução mágica – e sempre lucrativa – para contradições históricas e sistêmicas. Acredito que qualquer ação política, no contexto da construção de cidades mais justas, requer que cada pessoa faça a auto-crítica e identifique em si e no grupo do qual faz parte os privilégios que carrega, e em que medida esses privilégios ajudam a dissolver ou intensificar injustiças e desigualdades. Me parece que essa auto-crítica deve ser constante, transparente e seguida de ações que correspondam à reflexão. Por fim, acredito que nada disso é possível sem o diálogo também sincero, transparente e constante com as e os protagonistas dessas lutas, aos quais muitas e muitos se unem para fortalecer a luta, e não para assumir qualquer lugar de protagonismo, nem de portadores de qualquer conhecimento supostamente superior, nem nada desse “espírito bandeirante”, desbravador e domesticador de “espaços selvagens” que tantos ativistas realizam sem nem se dar conta – embora alguns, sim, queiram ser os novos bandeirantes desses tempos.
5. Tu dizes que não há ainda uma resposta sobre como reverter o processo de gentrificação urbana, mas apontas possíveis caminhos para isso. Existe alguma cidade que esteja em um patamar mais avançado nessa questão de implementar espaços públicos mais democráticos, sem reforçar a exclusão social? Alguma cidade que tenha realidade comparável à de São Paulo?
Em artigo que publiquei recentemente intitulado “Como não gentrificar? Uma tentativa de reflexão sobre processos e estruturas”, apresentei algumas medidas minimamente estruturais que cidades da Europa estão tomando para combater o déficit habitacional entre a população de menor poder aquisitivo, seja usando dispositivos de controle de aluguel, seja criando parques públicos de habitação, entre outras soluções. Não saberia responder a essa questão citando casos concretos, até porque essas medidas que cito no artigo são muito recentes e, portanto, com resultados incipientes, se não inexistentes ainda. O que procurei discutir no artigo foi a questão da habitação como um dos pontos frágeis dos processos de gentrificação que, por definição, “expulsam” pessoas de menor poder aquisitivo (portanto as desalojam) de áreas com potencial de valorização e as substituem por pessoas de maior renda. Se a fragilidade do acesso à moradia – negociada como mercadoria, e não oferecida como direito – parece ser um dos nós da gentrificação, talvez uma das formas de combatê-la de maneira estrutural seja, justamente, garantindo o acesso à habitação como direito. E digo “talvez” porque cada solução ou conjunto de soluções aplicadas precisam ser analisadas não apenas em si mesmas, mas segundo o contexto, as condições sociais, históricas e econômicas em que forem aplicadas e, principalmente, segundo as contradições políticas e sociais existentes onde serão inseridas.
6. Sobre a revitalização do Vale do Anhangabaú - a Prefeitura impediu que vocês tivessem acesso aos documentos que comprovassem a participação popular na apresentação do projeto, não foi? Quais são os movimentos sociais mais ativos nesse debate sobre o Anhangabaú e quais as principais pautas/reivindicações deles em relação ao Vale?
Apesar de toda a propaganda de abertura ao diálogo e à transparência, a prefeitura de São Paulo negou reiteradamente o acesso a esses e outros tantos documentos públicos, que acabei conseguindo ao longo de um ano inteiro com o uso da Lei de Acesso à Informação e por meio de uma importante parceria com a ONG Artigo 19. Há diversos grupos bastante atuantes no debate sobre o centro de São Paulo: há a Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, o Fórum dos Ambulantes, o Observatório Vozes da Rua, o Coletivo Autônomo de Trabalhadores Sociais, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, o Movimento Nacional da População de Rua, a União dos Movimentos de Moradia, a Central dos Movimentos Populares, enfim, são diversos grupos com um acúmulo de anos na luta por uma cidade mais justa e democrática. Sobre a pauta de cada um desses grupos, acredito que seria mais adequado que cada um falasse por si. Cito, de qualquer forma, um manifesto popular assinado por diversos movimentos por ocasião da tentativa de implementação, pela prefeitura, do projeto do Itaú para o Vale do Anhangabaú. O manifesto pode ser lido nesse link.
7. Por fim, como conscientizar a população a respeito da gentrificação, quais as principais informações que devem ser passadas? Acredito que deva ser um pouco difícil, já que muitos acreditam nos benefícios das revitalizações ou das mudanças em massa para os locais menos valorizados da cidade...Além do Arquitetura da Gentrificação, existem outros projetos trabalhando na mesma linha que tu?
Acho que é fundamental entender a gentrificação, hoje, como um processo sistêmico, pervasivo e extensivo no tempo e no espaço, com um forte impacto sobre populações vulneráveis – desde sempre –, e agora, em determinados contextos, também com avanços sobre populações de maior poder aquisitivo. No artigo que escrevi e que citei na questão 5 também indico algumas reportagens de jornais europeus que apontam para uma gentrificação de uma classe média alta pela elite financeira em algumas cidades. Se o espaço a ser capitalizado é finito, é preciso destruir as soluções anteriores para criar, sobre estas, outras soluções ainda mais lucrativas. Assim são as coisas no capitalismo, assim podem ser as coisas nos processos de gentrificação contemporâneos que cada vez mais avançam os limites das classes sociais que atingem. Ter isso em mente nos ajuda a questionar, de forma constante, em que medida nossas ações para criar espaços urbanos mais justos podem, no futuro, também criar condições para novos e mais agressivos processos de gentrificação por meio da capitalização daquilo que pensamos ser uma ação ou projeto democrático e justo no corpo da cidade. Como sugestão de trabalhos acerca do tema e similares, eu sugeriria os trabalhos e discussões do pessoal do Observa SP e do Observatório de Remoções, ambos de São Paulo, do Indisciplinar, de Belo Horizonte, do Direitos Urbanos, do Recife, do Museo de Los Desplazados, que compila trabalhos de diversas cidades da Europa e América Latina; do Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Sociais e do Observatório Vozes da Rua, ambos de São Paulo, – e tantos outros projetos que infelizmente me esqueço de citar aqui porque são muitos e me escapam. Acredito, porém, que nenhum projeto jornalístico, acadêmico ou estudo substitui ou se sobrepõe ao diálogo direto e constante com as populações vulneráveis que estão na ponta dos processos de gentrificação. Elas são as primeiras a sentirem o golpe e as últimas a serem ouvidas – quando são – sobre os efeitos da gentrificação e sobre as soluções que cogitam. O protagonismo nessa luta é das populações vulneráveis e é com elas que estão as informações mais importantes sobre opressões históricas e sistêmicas e sobre possíveis frentes de luta e resistência.
*Sabrina Duran é jornalista
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