5.
- sabrinaduran
- 15 de fev. de 2016
- 3 min de leitura

Por Talita Noguchi*
texto publicado originalmente na revista "GV Novos negócios", edição "Mulheres Empreendedoras", ano 6/ número 6/ 2015
É fácil constatar que em diversas áreas profissionais, especialmente onde há concentração de recursos financeiros, as mulheres estão em menor número. Para além da justificativa óbvia que invalida a capacidade de uma pessoa de acordo com o seu recorte de gênero, podemos começar a nos indagar sobre o que acontece de fato nesses setores e exercitar um olhar mais crítico na relação entre causa e consequência.
O empreendedorismo é calcado em algumas habilidades que podem ser adquiridas por basicamente qualquer indivíduo; mas o estímulo a esse aprendizado não é dado, de fato ou com igualdade, a qualquer um. Em 2015 ainda não é incomum encontrar pais que não abrem espaço para suas filhas exercerem todo seu potencial, que escolhem por elas, que podam a descoberta de suas aptidões e o desenvolvimento de suas habilidades por questões sociais e de gênero. Ao não incentivar o seu desenvolvimento em determinadas áreas por serem consideradas “masculinas” ou mesmo pouco prestigiadas, esses pais acabam criando mulheres mais vulneráveis numa sociedade que, de maneira mais ampla, desestimula o pleno exercício de cidadania da mulher. Além de verem cerceados seus futuros profissionais, estudos comprovam que elas acabam sendo mais propensas a sofrer abusos em muitas etapas das suas vidas. Tornam-se modelos do rótulo de fragilidade que recai social e historicamente sobre a mulher.
A quem adquira, entre todos os desafios do desenvolvimento enquanto mulher adulta, o conhecimento de habilidades tidas como empreendedoras (que para mim tem mais a ver com o pleno desenvolvimento de características de uma pessoa livre e autônoma) ainda restam obstáculos, sejam corriqueiros ou mais complexos, que não se aplicam igualmente entre os gêneros. Abaixo deixo alguns exemplos, levantados em pesquisas sobre o tema ou que vivenciei na pele, que dizem respeito ao dia-a-dia da mulher empreendedora:
- o fator “mulher no comando" pode desvalorizar uma empresa perante seu mercado. Isso é fato noticiado e já houve denúncias de mulheres que ouviram essa argumentação dos próprios colegas cofundadores;
- segundo estudo recém divulgado, mulheres na América Latina recebem salário 30% menor que homens de mesma idade, grau de instrução e em ocupação de cargos semelhantes;
- fornecedores frequentemente têm maior disposição para lidar com o elemento masculino de uma sociedade;
- clientes tendem a questionar mais as informações vindas de mulheres do que quando tratam com homens. Ou mesmo ignorar informações dadas, pedindo explicitamente para falar com um profissional do sexo masculino;
- ser tida como esposa do sócio. Mais de uma vez. A imagem de uma empresa familiar parece ser mais considerável que a de um empreendimento erigido em parceria entre um homem e uma mulher;
- é recorrente a atribuição de funções organizacionais e estéticas à parcela feminina numa sociedade, ainda que isso possa não condizer com a vivência prática dentro do estabelecimento;
- a ideia de que sociedade entre mulheres não dá certo porque elas acabam brigando, como se essa possibilidade fosse exclusiva dentro dessa conformação de sociedade ou como se mulheres não soubessem conviver para além de - o que foi socialmente construído como - rivalidade entre mulheres;
Sejam referentes ao mercado de trabalho brasileiro ou internacional, fatos como estes são bons exemplos de como ocorre, na prática, a manutenção dessa posição minoritária da mulher em cargos de chefia ou como sócia de um empreendimento. Ainda assim, são apenas um recorte entre tantos que constroem, e mantêm, esse cenário.
Quando abordamos esse tema é importante lembrar que dentro das questões de empreendedorismo há ainda o recorte social e racial. O meu lugar de fala tem também sua parcela de privilégio; sou uma mulher branca, jovem e burguesa e entendo que, mesmo estando dentro de certos recortes, minha posição ainda não é a da parcela mais oprimida da sociedade. Minha crítica é incapaz de abarcar plenamente realidades como a de mulheres acima de 40 anos, mulheres negras, mulheres de regiões periféricas; ainda que eu sinta dificuldade de inserção em determinadas posições, nunca me deparei com uma situação que se impusesse como totalmente inviável.
Sendo assim, proponho alguns questionamentos que possam contribuir para uma reflexão mais ampla:
- Para além de sua própria satisfação objetiva e econômica, qual o real motivo das mulheres empreenderem?
- Como colocar em foco também o apoio a mulheres em situações mais precárias do que a nossa, para somar na transformação da realidade de tantas mulheres?
- O empreendedorismo protagonizado por mulheres por si só quebra as estruturas que fundamentam a opressão daquelas que não estão no nosso campo de visão? Ou só reforçam estigmas sociais?
* Talita Noguchi é sócia-proprietária do bar e bicicletaria Las Magrelas, integrante do coletivo Pedalinas e uma das organizadoras do Festival Feminista Desamélia
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